TEXTO
Mãe com medo de lagartixa
Ana Maria Machado
Era uma vez uma
mãe... que tinha medo de lagartixa.
No resto, era valente: ficava sozinha, cantava no escuro,
tomava sopa quente.
Era mesmo
corajosa: enfrentava barata, discutia com o chefe, tomava injeção toda prosa.
De bicho de pena e de bicho de pelo, ela gostava muito.
Filho dela podia ter cachorro, gato, coelho, periquito, curió, canário,
porquinho-da-índia.
Nem que fosse tudo
ao mesmo tempo, ela não se incomodava, até animava, mais ainda inventava.
Peixe e jabuti,
também, ela deixava como ninguém. E tinha aquário redondo com peixe vermelho e tinha varanda vermelha com jabuti
redondo.
Se os filhos descobrissem macaco com asa, ela era capaz
de deixar em casa. Se para uma vaca encontrassem lugar, não ia
ser ela quem ia atrapalhar.
Se na área um cavalo coubesse direito, a meninada ia logo
dar jeito, e ela na certa ia achar perfeito.
Mas sapo? Minhoca? Perereca? Camaleão?
Nem queria saber. Disfarçava e ia se esconder.
Os filhos explicavam:
— Mamãe, que é que tem? Um bicho tão bonzinho, não faz
nada, olha aí!
Ela olhava. Mas não gostava.
E aqueles
lagartinhos nas pedras-do-sol?
— Um bichinho
à-toa, mãe, deixe de ser boba!
Mas aí ela era boba. Tão boba que no caminho da praia,
pelo meio do matinho, ia pisando forte e falando alto, fazendo barulho só para
assustar os lagartinhos – que saíam correndo, morrendo de medo de uma mulher
tão grande e barulhenta.
Mas o medo maior era o que a mãe tinha de lagartixa.
— Um perigo dentro
de casa!
Pode atacar a qualquer instante!
— Atacar, mãe? Que
ideia – ria Antônio.
— Que gracinha,
mãe. Olha aquela lagartixa lá no alto da parede – mostrava João.
— É mesmo,
branquinha e transparente, de cabeça em pé. Parece filhote de jacaré –
dizia Luísa. Não adiantava. Ela não gostava.
Um dia, resolveram
pregar uma peça nela.
Na saída da escola, tinha um vendedor de bala, estalinho,
pirulito e brinquedo. Brinquedos gozados: baratas e aranhas de plástico,
lagartixas de mentirinha. Compraram duas e levaram para casa. Puseram uma na
gaveta, outra na prateleira, ao lado.
Quando ela chegou do trabalho e foi mudar a roupa, foi um
susto. Quer dizer, primeiro foi um:
— Ai! Me ajudem!
Antônio! Luísa! João!
Depois foram dois sustos:
— Depressa! Vem cá todo mundo! Os meninos foram correndo.
E viram a mãe tremendo.
— Uma lagartixa
horrorosa! Subiu pelo meu braço e correu para a gaveta!
E tem outra
medonha ali na prateleira... Pelo amor de Deus, vocês peguem esses bichos
horríveis, que eu não aguento nem ver!
Os meninos se olharam enquanto ela saía:
— E lagartixa de
brinquedo sobe pelo braço?
— Será que tem alguma de verdade?
Olharam bem. Não
tinha. Só as mesmas, de brinquedo. E ela com tanto medo! Que mãe fiteira! E,
ainda por cima, inventadeira...
Foram rir dela, numa grande gozação: mas chegaram na sala
e não riram. Porque o que ela falou foi assim:
— Que bom que vocês estavam em casa. Vocês são tão
corajosos... Fico tão orgulhosa de meus filhos que não têm medo e tomam conta
de mim...
E, sentada no
sofá, abraçou os três ao mesmo tempo, fechou os olhos, encostou a cabeça neles,
feito menina pequena.
E eles se olharam e entenderam.
Todo mundo tem seu medo, cada um tem seu segredo. Quem
parece sempre forte, no fundo é meio sem sorte: tem que aguentar bem sozinho,
sem ajuda nem carinho:
— A mãe é que nem a gente. E gente se assusta, chora, ri,
fala, inventa, conta, grita e cochicha.
E pode até ter
medo de lagartixa.
Alguns
medos e seus segredos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
Sobre o texto, marque a resposta correta:
1 - Marque a alternativa em que a mãe estimula seus
filhos a terem bicho:
A) “enfrentava barata, discutia com o chefe”.
B) “ela não se incomodava, até animava.”
C) “se os filhos descobrissem macaco com asa, ela era
capaz de deixar em casa.”
D) “de bicho de pena e de bicho de pelo, ela gostava
muito.”
E) “peixe e jabuti, também, ela deixava como ninguém”
2 - “Que mamãe fiteira” (l. 49/50), marque a alternativa
que não tem a palavra com o mesmo valor semântico de fiteira:
A) manhosa
B) fingida C) medrosa D) astuta
3 - Marque a alternativa em que os fatos abaixo estejam
colocados em ordem cronológica:
I - Os filhos
verificaram se havia uma lagartixa de verdade.
II - Os filhos viram a mãe tremendo.
III - Os filhos correram até o quarto da mãe.
IV - Os filhos ficaram se olhando.
A) I, IV, III, II
B) III, IV, II, I
C) I, III, IV, II
D) III, II, IV, I
E) II, IV, III, I 4
4- A mãe, depois
de ter encontrado a lagartixa, foi para a sala. Os filhos, de acordo com o
texto, entenderam que:
A) cada um tem o seu próprio medo.
B) envergonharam-se do que tinham feito.
C) a mãe, sendo igual a eles, era infantil.
D) é preciso ser forte diante das situações.
5
- A mãe descrita é bastante tolerante. O argumento usado pelo narrador para
expressar a demonstração máxima de tolerância dessa mãe está na alternativa:
A)
ela até animava os filhos a terem bicho.
B)
ela deixava os filhos terem peixe e jabuti.
C)
era capaz de deixar em casa um macaco com asas, se os filhos descobrissem um.
D)
enfrentava barata, discutir com o chefe.
GABARITO
1(B) 2(C) 3(D)
4(A) (C)
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